Eu tinha acabado de sair da casa dos meus pais. Era um grande
momento da minha vida. Tinha achado uma casa decente, numa vizinhança calma com
uma excelente localização. A casa podia não ser muito grande, nem muito nova,
mas agora era o meu lar, o meu refúgio na vida urbana.
No começo não aconteceu nada, me mudei numa boa, arrumei as minhas coisas na
casa, ajeitei tudo do jeito que eu gostava, sem ter ninguém para reclamar de
alguma coisa fora do lugar ou que isso era para ficar ali e aquilo aqui.
Eu recebi a minha família, mostrei a casa, fiz uma festa com os meus amigos, só
para ter aquela sensação de "a casa é minha, eu faço o que eu quiser". Tudo
estava do jeito que eu imaginei como ia ser. Um paraíso!
Até que depois de um mês lá dentro as coisas estranhas começaram a acontecer.
Pelo menos eu acho que foi depois de um mês, porque pensando agora como no
começo a casa estava um pouco bagunçada com algumas coisas para arrumar é capaz
de eu não ter notado nada antes, mas foi depois de um mês que eu comecei a
notar.
Como sempre tudo começou com pequenos objetos sumindo e reaparecendo em lugares
que não tinham nada a ver com eles. Por exemplo, uma vez eu estava para sair e
não conseguia achar a chave do carro. Revirei tudo que era bolso de calça,
casaco, gaveta, nada. Finalmente eu desisti e peguei um táxi, pois já estava
atrasado. Quando voltei pra casa entrei no banheiro para dar uma aliviada e
encontrei a chave no chuveiro. Outra vez não estava achando o controle remoto da
TV, quando fui usar o banheiro, vi o controle dentro da privada. A maioria das
vezes que as coisas sumiam, reapareciam no banheiro. Mas também já apareceram no
forno de micro ondas, geladeira, congelador. Uma vez eu achei a minha carteira
entuxada dentro do videocassete.
Mas como eu nunca acreditei em fantasma, e de acordo com algumas histórias dos
meus pais e dos meus irmãos de quando eu era pequeno, eu achava que era
sonâmbulo. Eu realmente pensava que era eu que acordava no meio da noite e
mudava as coisas de lugar. Então nunca fiquei assustado quando abria a geladeira
para pegar coisa pro café da manhã e achava o meu tênis lá dentro. E também não
era algo tão freqüente assim para me aborrecer.
Então a vida foi indo assim por mais uns três meses. Eu estava adorando viver
sozinho e sempre tinha uma história engraçada para contar para os amigos e as
amigas sobre o que tinha aparecido aonde.
Mas a situação começou a piorar no meu quinto e último mês lá. Uma noite eu
estava vendo um filme na TV, e como de costume quando eu estou vendo filme, as
luzes estavam todas apagadas. A TV fica do lado do corredor, de um jeito que é
só você desviar o olhar um pouco que você pode ver o corredor todo até a porta
do quarto, e se a porta estiver aberta, dá pra ver lá dentro numa boa. Então, eu
estava lá vendo TV, e tive a impressão de ter visto algum movimento dentro do
meu quarto. Eu desviei o olhar para ver lá dentro, mas como estava tudo escuro e
eu estava olhando contra a luminosidade da TV foi difícil de conseguir enxergar
algo lá para dentro, mas pelo pouco que eu pude ver, não tinha nada de anormal
lá dentro. E foi quando eu ia voltar a olhar para a TV que eu vi um vulto saindo
do meu quarto e entrando no banheiro (que fica do lado do quarto). A minha
primeira reação foi dar um pulo até o interruptor e acender a luz. Eu peguei uma
cadeira da sala e comecei a gritar "Quem ta ai? Quem ta ai?", só que ninguém
respondeu. Eu não sabia se chamava policia, se me escondia ou se ia lá ver se
tinha alguém, pois o que eu realmente estava pensando é que um ladrão tinha
entrado na minha casa. Eu resolvi ir andando aos poucos até o banheiro e quando
cheguei lá aporta estava aberta e deu claramente para ver que não tinha ninguém
lá dentro. Aí eu fiquei totalmente confuso. Eu podia jurar que eu tinha visto
alguém entrar lá dentro, mas não tinha ninguém lá e a janela do banheiro é
daquelas janelas basculantes, então seria impossível que alguém tivesse saído
por ali. Eu coloquei a cadeira no chão e fui para o meu quarto. Acendi a luz e a
janela estava fechada. Nenhum traço de que alguém tivesse passado por ali. Eu
revirei a casa toda e o quintal também e não achei ninguém.
Essa foi a primeira vez que eu vi esse vulto pela minha casa. Um dia eu estava
chegando em casa de uma noitada com uma amiga para ficarmos mais "a vontade", e
quando nós estávamos indo para a porta da frente ela perguntou se tinha alguém
morando comigo. Eu falei que não e ela falou que achou que tinha visto alguém
olhando a gente pela janela. Eu achei que ela estava brincando ou que era algum
truque para se livrar de mim e voltar para a casa dela, mas ela jurou que tinha
visto alguém. Eu falei que ia entrar para ver e quando eu abri a porta de casa,
a sala estava um gelo, estava muito fria, e nem era inverno. Eu revirei a casa
toda e não achei ninguém. No dia seguinte quando ela foi embora ela falou que a
minha casa era meio estranha e não quis voltar mais lá. Depois disso sempre que
a gente queria ficar junto ela pedia pra gente ir para a casa dela. Ela nunca
mais quis voltar pra lá, não sei o que foi que aconteceu com ela. Sempre que eu
pergunto ela só fala que a casa era meio estranha e não se sentia a vontade lá.
Eu vi esse vulto pela casa pelas próximas duas semanas, até que aconteceu algo
que me fez sair de lá de uma vez por todas. Uma noite eu tinha chegado em casa
do trabalho, estava cansado e fui direto para a cama. Devia ser umas 11:00pm. Eu
cheguei com o carro na garagem, desliguei o carro, coloquei a chave no bolso do
casaco, entrei, tranquei a porta e deixei a chave nela, como eu sempre faço,
porque assim eu sei que não vou perder ela. Eu coloquei o casaco com a chave no
bolso no sofá, e fui para o meu quarto me deitar. O que foi estranho é que mesmo
estando exausto depois de um dia de trabalho eu não conseguia dormir. Eu fiquei
revirando na cama por quase duas horas quando finalmente consegui sentir o sono
chegando. Eu estava quase dormindo quando eu comecei a ouvir algo. Parecia ser
um murmúrio, alguém sussurrando algo. Eu abri o olho e olhei em volta, mas não
vi nada. Eu achei que devia ser algum vizinho discutindo, então fechei o olho e
voltei a tentar a dormir. Mas o sussurro continuou, baixinho sem dar para
entender nada do que falava. Eu não sei o que era aquilo, mas mesmo eu não
querendo estava pegando toda a minha atenção naquilo, tentando entender o que
significava. Como eu estava quase morto de sono eu tentei deixar aquilo de lado,
fechei o olho e fui tentar dormir. Depois de um tempo o sussurro foi abaixando,
sumindo ficando cada vez mais longe e inaudível. Mas antes de acabar eu consegui
ouvir algo que me fez a espinha gelar. A última coisa que eu ouvi antes do
sussurro sumir foi o meu nome. Eu abri o olho como se isso fosse ajudar a ouvir
algo melhor, mas continuei deitado na cama. Silêncio absoluto. Nenhum som no
quarto, nenhum som vindo da rua, nada. Um silêncio mortal. Ouvir o meu nome
sendo sussurrado realmente me deixou assustado. E antes de eu me recuperar do
susto eu ouvi um outro barulho, vindo do lado da minha cama. Eu arregalei os
olhos, sentei na cama e olhei no escuro para a frente da cômoda de onde o
barulho estava vindo, mas eu não consegui ver nada no escuro. O som parecia um
borbulho, era grosso, grave, um som que parecia estar vindo de outro mundo. Eu
nem tentei acender a luz. Dei um pulo da cama e corri para a sala. Quando eu
cheguei lá a sala estava tão fira, mas tão fria, que parecia que ia nevar lá
dentro. O barulho que estava vindo do quarto parecia estar se movendo agora, e
deu para ouvir um outro barulho, vindo do banheiro, que era como se alguém
estivesse andando com a meia ensopada de água. Eu não pensei duas vezes, peguei
o casaco que estava no sofá e fui correndo abrir a porta para sair de lá, mas a
chave não estava na porta! E ela estava trancada! O desespero foi tão grande que
eu não sabia o que fazia. Quando eu ouvi os barulho dos passos ensopados e
daquele borbulhar no corredor eu não pensei duas vezes. Eu coloquei as mãos do
lado dos olhos para só conseguir ver o que tinha à minha frente, passei correndo
pela sala, entrei na cozinha e sai pela porta de trás. O quintal de trás da casa
era ligado com o quintal da frente por um corredor lateral, e na ponta dele
tinha um portão de madeira. Eu sai correndo e meti o pé no portão. Nem tentei
ver se tava trancado ou não, só meti o pé e ele escancarou, arrebentando a
tranca dele e a maçaneta. Lá fora, do lado do carro, eu coloquei o casaco e com
a mão tremendo fui pegar a chave do carro no bolso. Não estava lá! Procurei no
outro bolso e nada. No bolso de dentro nada. Aí eu entrei em pânico total. Eu
podia jurar que tinha colocado a chave no casaco. No que eu olhei para a casa
pensando o que eu faria, se eu entrava lá para procura a chave, eu ouvi um
barulho lá dentro da casa, o barulho do chaveiro sendo chacoalhado. Eu não
pensei duas vezes. Saí correndo do jeito que tava, de bermuda, casaco e
descalço, mais nada. A minha Sorte foi que eu tinha colocado a minha carteira no
casaco, e ela ainda estava lá. Eu consegui pegar um táxi depois de muitas
tentativas (é bem difícil pegar um táxi em São Paulo quando você está só de
bermuda e um casaco, sem blusa e sem sapato) e fui para a casa dos meus pais.
Quando eu cheguei lá eles ficaram preocupados com o estado em que eu me
encontrava. Eu falei mais ou menos o que tinha acontecido e eles queriam chamar
a polícia pra ir lá em casa. Com eu já estava pra lá de cansando eu falei que se
fosse algum ladrão já teria levado o que queria, e que ir lá agora não ia
adiantar nada então eu ia falar com a polícia no dia seguinte. Eu não sei se
isso foi o cansaço falando ou se era o medo. Eu passei o resto da noite lá. Nem
me importei de ter deixado a casa aberta com portão escancarado e o escambau a
quatro, eu só queria dormir um pouco.
No dia seguinte, o meu pai me acordou para nós irmos lá dar uma olhada ver em
que estado tinha ficado a casa. Quando nós chegamos eu não vi nada de estranho na
casa, a não ser a porta dos fundos que agora estava fechada (mas não trancada).
Nós entramos e vimos tudo no lugar, nada fora de onde estava na noite anterior,
menos as chaves que não estavam na porta. Eu dei uma olhada pela sala e pela
cozinha. No corredor eu parei, não estava nem um pouco a fim de ir em frente,
mas meu pai estava logo atrás de mim e me deu um cutucão para eu continuar.
Entrei no quarto e nada. A cama estava toda desfeita do jeito que eu a tinha
deixado. Quando eu entrei no banheiro eu senti uma sensação de angustia. Quando
eu olho pro chão do chuveiro, lá estão as chaves do carro e a da porta da
frente. Eu peguei as chaves, tranquei a porta d a cozinha, abri a porta da frente
e falei para o meu pai "Vamos, eu não quero mais ficar nessa casa". Ele achou
que realmente tinham sido ladrões em casa e que eles queriam levar o carro, mas
quando me viram se assustaram e se esconderam no banheiro e que quando eu sai
eles acharam que eu ia chamar a polícia então fugiram. Mas até onde eu sei
ladrões de casa não conseguem fazer uma sala ficar gelada e não ficam do teu
lado de noite fazendo barulhos que uma pessoa normal não pode fazer. E se
realmente fossem ladrões poderiam ter levado alguma coisa, mas a casa estava
intacta.
Depois disso nós fomos para casa do meu pai e de lá eu liguei para o dono da
casa e falei que não queria mais alugar a casa dele, que estava saindo. No dia
seguinte ele foi lá para ver como estava a casa e eu já tinha tirado tudo que
era meu. Ele me perguntou o motivo e fez uma cara como se ele já soubesse a
resposta. Eu dei uma desculpa esfarrapada qualquer mesmo e eu sei que ele não
acreditou, mas eu sei que ele sabia o motivo do porque eu estava saindo da casa
e eu sei que ele sabia que eu sabia que ele sabia o motivo de eu estar saindo da
casa, mas não menciono nada, ficou subentendido que nenhum dos dois tocaria no
assunto. Ele falou que eu não precisava pagar a multa por quebra de contrato
(outra coisa que me fez acreditar mais ainda que ele sabia o que se passava
naquela casa) mas que eu tinha que pagar o conserto do portão. Eu paguei sem
nenhum problema.
Eu morei com os meus pais por um tempo de novo e quando me deu vontade de ter a
minha casa de novo eu resolvi que iria dividir algum apartamento com algum amigo
meu. Eu seu que eu nunca mais pretendo morar sozinho depois daqueles cinco meses
naquela casa.
Léu - São Paulo - S.P.